“Serra não se constrange em liderar uma
espécie de guerrilha entre tucanos, conspira contra a própria legenda e
parece não se importar caso sua teimosia leve a uma implosão do PSDB”,
afirma Istoé
Isto é
As derrotas nas eleições presidenciais de 2002 e 2010 e na disputa
pela Prefeitura de São Paulo no ano passado não reduziram o insaciável
apetite político de José Serra. Os movimentos feitos por ele nas últimas
semanas mostram que o ex-governador tucano não engole a possibilidade
de o PSDB ter um candidato à Presidência da República que não seja ele
mesmo. Para realizar seu desejo, Serra não se constrange em liderar uma
espécie de guerrilha entre tucanos, conspira contra a própria legenda e
parece não se importar caso sua teimosia leve a uma implosão do PSDB.
Sem o apoio dos principais líderes do partido, visto com antipatia
pelos militantes e ainda forçado a permanecer na legenda pelos poucos
correligionários que o cercam, o ex-governador paulista tenta agora
boicotar a estratégia que o partido, sob a liderança do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, traçou para a candidatura do senador mineiro
Aécio Neves. Um projeto tucano que estava em pauta desde 2010, mas que
na ocasião foi contido exatamente para atender à ambição do
ex-governador e evitar um racha.
Há duas semanas, Serra começou a fazer contatos com diversos
deputados e vereadores do partido em São Paulo, onde ainda mantém alguma
influência. Iniciou as conversas deixando claro que poderia abandonar o
PSDB e disputar a Presidência da República pelo PPS – uma hipótese que
aterroriza os tucanos de São Paulo, pois visualizam nela a possibilidade
de divisão do partido no Estado, com consequências diretas na sucessão
estadual. Em seguida, Serra sugeriu a alguns parlamentares que não
participassem das reuniões agendadas por Aécio no interior do Estado.
Desde maio, quando assumiu a presidência nacional do PSDB, Aécio vem
trabalhando uma agenda que contempla uma série de viagens pelo País, com
o propósito de unificar o partido e buscar a construção de palanques
regionais para a sua candidatura. “Vamos discutir com Aécio a ativação
das redes sociais e um calendário de encontros regionais. Isso está
previsto no planejamento estratégico do PSDB”, teria respondido o
presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Samuel Moreira.
A conspiração de Serra aparentemente não deu resultado. Aécio passou
parte da semana passada em São Paulo mantendo diversos contatos
políticos. Na noite da sexta-feira 23, por exemplo, o mineiro se reuniu
com lideranças políticas de Ribeirão Preto e tinha confirmada a
participação na Festa do Peão de Barretos, o maior rodeio do Brasil, no
sábado 24. “O candidato do PSDB é o senador Aécio Neves (MG). Isso já
está definido. Serra teve todas as chances possíveis e a fila andou.
Agora ele precisa deixar de fazer espuma, pois o nosso problema é ganhar
a opinião pública, o que não está fácil”, diz o deputado pernambucano
Sérgio Guerra, ex-presidente nacional do partido e presidente do
Instituto Teotônio Vilela. “Estamos trabalhando muito para desenhar uma
proposta ao País e não podemos perder tempo com essas rusgas”,
completou.
As pegadas recentes do cartel
Diante das contundentes provas de que as empresas da área de
transporte sobre trilhos desviaram quase meio bilhão de reais no esquema
do Metrô, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo (TCE-SP) correm contra o tempo para apurar se as irregularidades
persistem nos contratos ainda em vigor. O objetivo é encerrar o quanto
antes a sangria aos cofres públicos. Na última semana, o TCE anunciou
que fará um pente-fino sobre acordos celebrados recentemente entre as
companhias integrantes do cartel e o governo paulista. Para integrantes
do MP e do TCE, há fortes indícios de que as fraudes ocorreram em
contratos em curso, assinados pelo ex-governador José Serra (2007-2010) e
pelo atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Entre eles estão
os acordos para a reforma de trens das Linhas 1 (Azul) e 3 (Vermelha) do
Metrô paulista, celebrados em 2008 e 2009. Com duração de cinco anos e
meio e valores que somados superaram R$ 1,7 bilhão, os serviços foram
divididos entre consórcios formados pelas empresas participantes do
cartel. Até a denunciante do esquema, a Siemens, faz parte do projeto.
Também integram o consórcio as empresas Alstom, Iesa, Bombardier,
Tejofran, Temoinsa, TTrans e MPE, contratadas para reformar 98 trens.
A conta secreta do propinoduto
Na edição da semana passada, ISTOÉ revelou quem eram as autoridades e
os servidores públicos que participaram do esquema de cartel do Metrô
em São Paulo, distribuíram a propina e desviaram recursos para campanhas
tucanas, como operavam e quais eram suas relações com os políticos do
PSDB paulista.
Agora, com base numa pilha de documentos que o Ministério da Justiça
recebeu das autoridades suíças com informações financeiras e quebras de
sigilo bancário, já é possível saber detalhes do que os investigadores
avaliam ser uma das principais contas usadas para abastecer o
propinoduto tucano. De acordo com a documentação obtida com
exclusividade por ISTOÉ, a até agora desconhecida “conta Marília”,
aberta no Multi Commercial Bank, hoje Leumi Private Bank AG, sob o
número 18.626, movimentou apenas entre 1998 e 2002 mais de 20 milhões de
euros, o equivalente a R$ 64 milhões. O dinheiro é originário de um
complexo circuito financeiro que envolve offshores, gestores de
investimento e lobistas.
Uma análise preliminar da movimentação da “conta Marília” indica que
Alstom e Siemens partilharam do mesmo esquema de suborno para conseguir
contratos bilionários com sucessivos governos tucanos em São Paulo.
Segundo fontes do Ministério Público, entre os beneficiários do dinheiro
da conta secreta está Robson Marinho, o conselheiro do Tribunal de
Contas que foi homem da estrita confiança e coordenador de campanha do
ex-governador tucano Mário Covas. Da “Marília” também saíram recursos
para contas das empresas de Arthur Teixeira e José Geraldo Villas Boas,
lobistas que serviam de intermediários para a propina paga aos tucanos
pelas multinacionais francesa e alemã.
A escapada pelos andes
La Paz, sexta-feira 23 de agosto, 15h. O sol a pino e a baixa umidade
reforçam a sensação térmica da primavera boliviana e embalam a
tradicional sesta local. No horário em que boa parte dos moradores está
cochilando, as ruas livres do tráfego servem como corredor de fuga a
dois veículos 4×4 Nissan Patrol, com placas diplomáticas. A bordo de um
deles, o senador boliviano Roger Pinto Molina confere o relógio e olha
para o alto com um leve sorriso de satisfação. “Foi a primeira vez que
pude ver o sol claramente. E de uma perspectiva diferente”, lembra, em
referência aos 454 dias que passou asilado numa pequena sala da
embaixada do Brasil. Durante esse tempo, Molina jamais teve direito a um
salvo-conduto, documento legal que poderia ter sido fornecido pelo
governo boliviano para garantir sua saída com tranquilidade em direção
ao país no qual decidiu se refugiar. Planejada ao longo de três meses,
com o conhecimento de algumas autoridades do governo brasileiro e uma
mal disfarçada tolerância do governo do presidente Evo Morales, que
enviou vários sinais a Brasília de que não faria oposição à saída de
Molina, desde que não pudesse ser acusado de proteger um inimigo com 22
processos no currículo, a “operación libertad” foi cercada de uma série
de preparativos, inclusive medidas de proteção pessoal e monitoramento
de riscos. No momento em que se preparava para entrar no automóvel,
Molina contou com o auxílio de um fuzileiro naval, adido militar na
embaixada, para vestir o colete à prova de balas.
Três dias antes de partir, Roger Molina falou do plano de fuga à sua
filha Denise Pinto Bardales, carinhosamente chamada pelo pai de
“Talita”, sugerindo que ela fosse para Brasileia, no Acre, onde a mãe,
Blanca, vive há um ano com as outras duas filhas do senador, um genro e
quatro netos menores de idade. Num gesto revelador das relações próximas
entre autoridades dos dois países, a família Molina foi abrigada no
Brasil pelo governador Tião Viana (PT/AC), seu amigo. Além de Talita,
sabiam da “operación libertad” o embaixador Marcelo Biato, o conselheiro
Manuel Montenegro e o encarregado de negócios da embaixada Eduardo
Saboia, que assumiu a responsabilidade pela fase final da operação, que
era retirar Molina da Bolívia e levá-lo, são e salvo, para o Brasil.
Há pelo menos um mês, a operação chegou aos ouvidos de políticos,
advogados e empresários que partilham informações e interesses nas
relações entre Brasil e Bolívia. Um plano alternativo chegou a ser
elaborado, na verdade, envolvendo uma operação triangular. Numa primeira
etapa, Molina seria levado de avião para o Peru. Depois, seria
conduzido ao Brasil. Ao verificar que o envolvimento de um país que nada
tinha a ver o caso poderia ampliar as complicações de um plano já
complicado, decidiu-se pela viagem de automóvel entre La Paz e Corumbá.
Escondidos na neblina Na segunda-feira 19, num gesto que seus
superiores no Itamaraty interpretariam como bisonha tentativa de
despistar sua participação na operação, o embaixador Biato saiu de
férias e coube a Saboia organizar todos os detalhes finais e fazer a
viagem. Na quinta-feira 22, dia anterior à fuga, Molina recebeu a visita
de um médico do Senado boliviano, que produziu um laudo atestando que
ele enfrentava problemas de saúde, inclusive depressão. Substituindo
Biato em sua ausência, naquele mesmo dia, Eduardo Saboia enviou uma
cópia do laudo para o Itamaraty e, no mesmo despacho, observou que a
situação pedia uma intervenção sem demora em auxílio do senador,
afirmação vista como uma senha para o início da “operación libertad.”
Ao deixar, na sexta-feira 23, a garagem do edifício Multicentro,
complexo empresarial onde funciona a sede diplomática brasileira, o
comboio seguiu em velocidade pela avenida Arce rumo à autopista El Alto,
na saída da capital boliviana. A orientação era fazer meia-volta e
retornar à embaixada ao menor sinal de que autoridades bolivianas
pretendessem criar embaraços ao comboio.
Lembrando que chegou a passar mal no trajeto, Molina conta: “Se eu
fosse para um hospital, corria o risco de ser preso. Então decidimos
seguir”. Depois de seis horas de estrada, o grupo chegou a Cochabamba,
na região do Chapare, uma das principais bases eleitorais do presidente
Evo Morales. Ali, milhares de famílias de agricultores plantam a folha
da coca, tradicional ingrediente da cultura boliviana, que em grande
parte é desviada para servir ao narcotráfico. Em Cochabamba, a avenida
Blanco Galindo corta a cidade. O comboio levou três horas para
atravessar a região, sob neblina espessa. A tensão não deixava ninguém
cochilar. “Se fossemos detidos ali, seria a morte ou algo parecido”,
afirma o senador. Em mais de um contato com o governo brasileiro, quando
enviou uma emissária em audiência com o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, o governo de Evo Morales já havia deixado claro que
gostaria de ver Roger Molina fora do País, desde que jamais pudesse ser
acusado por seus próprios eleitores de proteger um político acusado de
corrupção pela Justiça. “É loucura!”, reagiu Dilma ao ser consultada
sobre a operação, deixando claro que o Brasil não poderia aceitar uma
proposta que não tinha garantia contra riscos, inclusive possíveis
ameaças à vida de Molina. Convencida de que o governo brasileiro fizera
sua parte, ao garantir asilo para o senador boliviano, Dilma esperava
que, incomodado com o desgaste que Molina causava a Morales, este
tomasse a única medida cabível, que era dar o salvo-conduto.
Fugitivos de fraldas Pano de fundo daquela viagem dramática, as
relações entre Dilma e Evo Morales atingiram um momento especial quando
ambos se encontraram durante uma viagem à África. Evo pediu uma
“bilateral” à presidenta brasileira e aproveitou o encontro para
denunciar que o senador estava tendo um comportamento inapropriado,
chegando a fazer reuniões políticas. Em seguida, Dilma determinou ao
chanceler Antonio Patriota que verificasse as queixas de Morales,
pedindo ao ministro que se encarregasse pessoalmente de resolver o caso
com as autoridades bolivianas. Quando Patriota lhe disse que
pretendia escolher um responsável para tocar a missão, Dilma reagiu de
forma dura, conforme relatou um assessor palaciano: “Você deve cuidar de
tudo pessoalmente”.
Terrorismo inglês
Não tinha mais do que sete metros quadrados a sala branca e sem
janelas em que o estudante carioca David Miranda ficou confinado nas
quase nove horas em que permaneceu detido no Aeroporto de Heathrow, em
Londres, no domingo 18. Em escala na capital britânica, Miranda voava de
Berlim com destino ao Rio de Janeiro. Logo no desembarque, foi abordado
por policiais. “Me levaram para essa sala onde não pude falar com
ninguém”, disse à ISTOÉ (leia entrevista). O contato com um advogado só
aconteceu oito horas depois. Àquela altura, seu companheiro, o
jornalista americano Glenn Greenwald, com quem é casado há nove anos, já
havia mobilizado o governo brasileiro por sua liberdade. Mais do que um
repórter radicado no Brasil, Greenwald está por trás da série de
artigos publicada, desde junho, pelo jornal britânico “The Guardian” e
que revelou o amplo esquema de espionagem de cidadãos promovido pela
Agência de Segurança dos Estados Unidos. Incapazes de calar Greenwald,
os britânicos foram atrás de um alvo fácil com o lamentável propósito de
intimar.
Para sair do isolamento
Conhecido por sua capacidade de dialogar com trabalhadores em portas
de fábrica e cidadãos do País inteiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva também tem dedicado seu reconhecido talento para o diálogo para
auxiliar a presidenta Dilma Rousseff em conversas com empresários.
Apenas na semana passada, Lula manteve quatro encontros com donos de
empresas de porte. Ouviu críticas à falta de um bom canal de comunicação
com o Planalto e os ministros. Também escutou queixas de setores
específicos da economia, que se mostram inconformados por levarem
sugestões e propostas concretas para Brasília e aguardarem meses para
obter uma resposta que demora demais para chegar – e muitas vezes nunca
chega. Conforme relato de dois empresários que participaram de dois
encontros diferentes, Lula faz o possível para ouvir e repassar
reclamações que possam ser úteis para o governo.
O nobre colega presidiário
Com bottom de parlamentar, terno bem alinhado e algemas, o deputado
Natan Donadon deixou a Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira 28
do mesmo modo que entrou: como um inusitado detento com mandato
parlamentar. Durante a votação do pedido de sua cassação, muitos colegas
não se preocuparam com sua ficha corrida, que inclui a condenação pelo
desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia, de 1995 a
1998, quando era diretor financeiro da instituição. O rosto abatido e
as lamentações da vida de presidiário que rechearam o discurso de
Donadon comoveram parte do plenário, naquela altura já contaminado pelo
espírito de corpo.
O conforto covarde do sigilo do voto serviu como mais um estímulo
para que centenas de colegas se sentissem ainda mais à vontade para
salvar o mandato do parlamentar, que cumpre pena na Penitenciária da
Papuda, Distrito Federal, há dois meses. No total, foram 233 votos pela
cassação, 24 a menos do que o exigido, 131 pela absolvição e 41
abstenções, sendo o PT o partido que mais contribuiu com as ausências,
(21 no total). O resultado, além de representar uma afronta à sociedade,
no rastro das manifestações populares, sugere a intenção de se
preservar os mandatos de condenados no processo do mensalão.
Época
Roger Pinto Molina: “Quero levar minha vida no Brasil”
O senador boliviano Roger Pinto Molina, de 53 anos, líder da oposição
ao governo Evo Morales, repete insistentemente sua gratidão à
presidente Dilma Rousseff pelo asilo que recebeu na embaixada brasileira
em La Paz. O discurso de Molina contrasta com a recepção que o governo
lhe reservou nesta semana, quando chegou a questionar sua permanência no
Brasil. Molina foi o personagem central da crise política que redundou
na demissão do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. “Já
agradeci à presidente Dilma Rousseff pelo ato generoso de me conceder
asilo”, afirmou em entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA – O senhor se considera um perseguido político?
Roger Pinto Molina – Sim, mas não sou o único na Bolívia. Sou o líder da
minha região (Estado de Pando) e líder da oposição no Senado. O modelo
de poder de Evo Morales é de tomada de controle total do Senado. Foi aí
que começou nosso confronto político. Os ex-presidentes,
ex-governadores, ex-prefeitos, quem teve algum tipo de liderança é hoje
processado judicialmente. Os processos atingem, sobretudo, quem tem
viabilidade eleitoral. Não sou exceção. Mas só busquei asilo porque
sofri ameaças de morte.
ÉPOCA – Como as perseguições começaram?
Molina – A primeira fase das perseguições começou com as mortes no
departamento (Estado) de Pando, em setembro de 2008. Quando apresentei a
documentação sobre o assunto, o presidente ordenou minha prisão e abriu
oito processos por desacato. Isso só aconteceu porque denunciei atos de
corrupção. Disse publicamente no Senado que o narcotráfico infiltrou-se
no governo. Apresentei provas disso. Pedi que investigassem o ministro
(da Presidência, Juan Ramón) Quintana e o vice-presidente da República. O
presidente deveria levar adiante uma investigação. Mas isso não
aconteceu. Fiz uma série de denúncias contra outros ministros. Denunciei
o ministro da Fazenda pelo seu envolvimento com os bicheiros. Era
senador e tinha direito de denunciá-los. O governo Evo, no entanto,
acreditava que eu só poderia fazer denúncias em casa, para minha
família, e não na imprensa. Minhas denúncias geraram um rosário de
calúnias. Tive acesso a uma documentação que mostra que o ministro
Quintana foi à casa de um narcotraficante para receber recursos para sua
campanha. Todas as ameaças de morte tiveram origem no governo.
ÉPOCA – De que tipo? O senhor foi alvo de algum atentado?
Molina – Não. Muitas das ameaças que sofri foram gravadas. Estão
documentadas. Há gravações em que dizem até a arma com que me
assassinariam. Em 2009, antes de eu fazer minhas denúncias, descobriu-se
uma tentativa de assassinato. Quintana ofereceu U$ 20 mil a um
assassino de aluguel para me matar com arma que lhe fora entregue por
ele mesmo. Denunciei e o governo não fez nada. Logo depois, descobriram
um assassino do PCC (Primeiro Comando da Capital), ligado ao ministro
Quintana, que pretendia me eliminar no portão de casa. Isso tudo está
registrado no jornal Sol de Pando. Uma vez, resgataram um cidadão que
fora sequestrado. No cativeiro em que foi mantido, encontraram a planta
da minha casa, documentos, fotos de meu carro. Os sequestradores foram
presos. No interrogatório, afirmaram que eu estava na lista deles. E era
gente que tinha relação com o governo.
ÉPOCA – Quando começou seu confronto com o governo boliviano?
Molina – Minha diferença com o governo Evo Morales vem de muito tempo.
Estou convencido de que a coca é a matéria-prima do narcotráfico. Por
isso, defendo a erradicação da coca. Um compromisso estabelecido em lei
prevê que uma área de 12 mil hectares seria mantida para preservar a
produção de coca necessária para o consumo tradicional. Mas a área
plantada chegava a quase 40 mil hectares. Todo excedente é destinado ao
narcotráfico. Ora, os cocaleiros constituem a base social e política do
presidente, que preside as seis federações de trabalhadores do setor.
Então, sua base era fornecedora do narcotráfico. Ele sempre foi
tolerante com os produtores de coca. Sempre dissemos que, em algum
momento, o tênue limite entre a produção de folhas de coca e de
matéria-prima para o narcotráfico seria ultrapassada. Foi o que
aconteceu. Nós temos informação de que o setor cocaleiro financiou as
campanhas do presidente Evo Morales. Denunciei isso e criaram-se
situações de confronto. Em determinado momento, chegamos a descobrir uma
série de documentos que estabelecia uma relação de funcionários do
governo com o narcotráfico.
ÉPOCA – O governo Morales diz que o senhor não é um perseguido
político, mas um criminoso condenado. O que tem a dizer sobre isso?
Molina – Há 22 processos de todos os tipos contra mim. Só um foi
julgado, de corrupção. Quando governei (o Estado de) Pando, criei uma
universidade e atraí investimentos privados para ela. Ora, corrupção é
quando você tira dinheiro do Estado. O que fizemos foi dar dinheiro ao
Estado. Existe uma Zona Franca em Pando, onde os empresários pagavam uma
alíquota de 1% para se instalar. O que fizemos foi propor a eles que
pagassem 1,5%. O 0,5% a mais seria destinado à universidade. Os
empresários aceitaram. Mas sob a visão do governo, isso é corrupção. Dos
oito que assinaram a resolução para criar a universidade, só eu fui
sentenciado, e à revelia, sem defesa, a um ano de prisão. Esse é o único
processo julgado.
ÉPOCA – Por que o senhor pediu asilo à embaixada brasileira, e não a outra representação diplomática?
Molina – Há uma relação mais direta do Brasil com a Bolívia. O Brasil
tem uma longa tradição de respeito à vida, aos direitos humanos, aos
direitos dos asilados.
ÉPOCA – O senhor negociou com os diplomatas brasileiros seu asilo na embaixada em La Paz antes de pedir refúgio?
Molina – Não, nem houve nenhuma possibilidade de isso acontecer. Foi
decisão tomada diante de uma emergência. Eu temia ser assassinado a
qualquer momento. Procurei a embaixada do Brasil sem nenhum diálogo
prévio e fui recebido por um homem de princípios, o embaixador Marcel
Biato. Ele assumiu meu caso de maneira profissional. Levando em conta
que precisava informar seu país, solicitou a documentação dos processos
judiciais a que respondo. Depois de analisar os documentos, me concedeu o
refúgio, sob o crivo da presidente (Dilma Rousseff). Por um
descumprimento dos tratados e das leis internacionais, a Bolívia nunca
me outorgou salvo-conduto para deixar o país. E isso é o que se deve a
qualquer cidadão que obtém asilo diplomático.
ÉPOCA – O senhor pretende ficar no Brasil ou cogita pedir asilo definitivo a outras nações?
Molina – Quero regularizar minha situação no Brasil e levar minha vida
aqui da maneira mais normal possível. Quando entrei na embaixada
brasileira, pessoas próximas ao governo boliviano tentaram queimar minha
casa e sequestrar minha família. Eles tiveram de abandonar a Bolívia.
Saíram em busca de refúgio com o que tinham à mão. Hoje, vivem aqui. Já
agradeci à presidente Dilma Rousseff pelo ato generoso de me conceder
asilo e me dar as garantias necessárias para dar início à próxima etapa
da minha vida. O que espero, agora, é superar esta etapa. Espero não ter
nunca a necessidade de buscar outra alternativa.
As faculdades brasileiras estão na UTI
Durante dois anos e meio, a mineira Izabela Carvalhal, de 22 anos,
frequentou um cursinho pré-vestibular para garantir uma vaga no curso de
medicina da Universidade Gama Filho, então uma das mais conceituadas
instituições privadas de ensino no Rio de Janeiro. Aprovada no
vestibular de julho de 2011, Izabela fez as malas e desembarcou no
campus do bairro de Piedade, onde a Gama Filho forma médicos desde 1965.
Na manhã da última quinta-feira, Izabela assistia a uma aula de
cardiologia de forma improvisada, no pátio da universidade. A derrocada
do sonho de Izabela começou no final de 2011, quando o grupo Galileo
Educacional assumiu a administração da Gama Filho. Com a promessa de
reerguer uma universidade endividada, os novos gestores demitiram 600
funcionários e aumentaram o valor das mensalidades – a de medicina subiu
de R$ 2.700 para R$ 3.500 mensais.
O efeito das medidas foi desastroso. Cresceram a inadimplência e a
evasão de alunos. Professores e funcionários entraram em greve por
atraso nos salários. No início de agosto, os alunos encontraram um aviso
no portão: a Gama Filho estava fechada e as provas adiadas. O
Ministério da Educação suspendeu os vestibulares. Desde então, 30
estudantes ocupam a sala da reitoria. Izabela não sabe se conseguirá o
diploma. Nem ela nem nenhum dos cerca de 2.100 alunos do curso.
Por 40 anos, os alunos da Gama Filho tiveram aulas práticas na Santa
Casa do Rio de Janeiro, hospital com mais de 500 leitos. No final de
2011, a direção da universidade demitiu 140 professores que também eram
médicos do hospital. Seria o fim do ensino prático, se 40 professores
não tivessem decidido trabalhar de graça para socorrer os alunos. A Gama
Filho ofereceu como alternativa um pequeno hospital de 40 leitos, na
Barra da Tijuca. Havia mais alunos de medicina que pacientes, e o
projeto foi abandonado. Hoje, os alunos têm aulas práticas no hospital
municipal de Piedade.
“Nessa crise, por dó, a prefeitura ainda deixa os alunos estudar no
hospital”, diz a estudante Fernanda Lopes Moreira. Até 2010, antes da
crise, o curso de medicina da Gama Filho tinha nota 3, numa escala que
vai de 1 a 5, no Conceito Preliminar de Curso (CPC) do Ministério da
Educação. Chegou a ser um dos mais concorridos entre as faculdades
privadas do Rio. Se fosse realizada uma nova avaliação neste ano, o
conceito da Gama Filho certamente despencaria. A direção da faculdade
diz que resolverá os problemas de caixa até setembro, quando pretende
retomar as aulas.
O caso da Gama Filho é um exemplo extremo e dramático dos problemas
sérios que envolvem a formação dos médicos no Brasil. Nas últimas
semanas, o país debate a chegada de profissionais estrangeiros, a
maioria cubanos, para trabalhar em locais distantes, onde não há
profissionais. A solução, já adotada pelo Brasil no passado e por países
como o Canadá, pode resolver um problema emergencial de falta de
profissionais. Mas escamoteia um problema maior, estrutural, que se
reflete na saúde pública nacional: a qualidade da formação dos médicos.