É hora de acabar com o reinado do marketing político
Sebastião Nery
Na frente, um árabe com seu turbante. Atrás, um africano com seu
camisolão. No meio, eu e a namorada com nosso medo. Impossível não ter
medo aéreo naquele final da década de 1980. Os aeroportos da Europa
tinham virado campos humanos minados.Todos desconfiando de todos.Cada um
imaginando onde o outro estava escondendo a bomba, a granada, que daí a
pouco poderia explodir, lá no céu, o avião e todos.
Nós na fila do voo da Alitália para Atenas e, ao lado, a fila para a
Tunísia, homens com turbantes, barbas cerradas e caras fechadas e
mulheres de longos vestidos negros e negros véus na cabeça. A fila deles
começou a andar, ficamos olhando, calados. O pensamento coletivo boiava
indisfarçado no ar. Quantos iranianos haveria ali? E se um fosse
terrorista? A centopeia do medo foi andando devagar, desapareceu.
Era nossa vez. O policial do controle pega o passaporte do árabe do
turbante que está à nossa frente, olha, esmiúça, confere, desconfiado.
Vai ao computador, dedilha, espera, nada consta, deixa passar. Os nossos
passaportes ele mal olhou. Só perguntou: – Brasile? Carimbou e
passamos.
O africano do camisolão, atrás de nós, empacou. O mesmo rito da
desconfiança. Conferem tudo, digitam o computador, nada consta. Olham
agressivamente para o rosto negro, árido, escalavrado, do africano
tenso, mandam sair da fila, chamam um chefe, saiu com ele. E a fila
medrosa.
Depois do passaporte, outro obstáculo: o controle de bagagens,
bolsas, objetos pessoais, o corpo. Vem o detector de metais, que apita
quando flagra. O árabe do turbante passa tranquilo. Não tinha um ninho
de metralhadora ali dentro. O africano do camisolão ficara lá com o
chefe.
E vem um apito fino, estirado, “piiiii”! Todo mundo olha. É ela, a
terrorista. E bem disfarçada. Alta, elegante, cara de italiana, chapéu
italiano, óculos italianos, botas italianas. Aparecem três policiais
femininas, olhos aflitos, levam-na ao lado como se já estivessem
acusando: – “Abra o jogo e a arma!” Não era. Apenas o isqueiro.
Entregou, passou. Sem apito.
O medo do terrorismo tinha virado racismo e paranoia.
A BOMBA
Afinal, estávamos na sala de embarque. Chamam. Vamos de ônibus para o
avião, um “Airbus” da Alitalia, lá longe no campo úmido, na manhã de 10
graus. O ônibus pára, mas ninguém salta, ninguém entra. Vamos esperar.
“Houve um pequeno problema”, explicam os funcionários. Era ela. Só podia
ser ela. A bomba. Estariam tentando desativar?
Embarcamos. Um leve, lindo, macio voo sobre o azulado Adriático. A
aeromoça, com enormes óculos redondos, servia vinho para o almoço,
quando o comandante pede atenção:
– “A partir deste instante é proibido fumar. Apaguem seus cigarros,
até que o sinal de proibição também se apague. É uma pequena emergência.
Espero que dentro de quinze minutos já voltemos à normalidade”.
Só podia ser ela, a bomba terrorista, afinal flagrada e acuada pelos
comissários, como uma onça enlouquecida. Acender cigarro era acender a
bomba e voar tudo pelos ares. Iam desativar. O murmúrio foi crescendo e
absolutamente nada aconteceu. Não havia bomba nenhuma.
A aeromoça de óculos redondos deixou comigo uma oportuna garrafinha
de vinho e logo comecei a ver, lá embaixo, as escarpadas colinas da
Grécia, como o chão crespo do céu.
MARQUETEIROS
O advogado Airton Soares foi um grande deputado. Dias atrás, no
jornal da TV-Cultura, de São Paulo, onde debate assuntos nacionais com o
também brilhante historiador Marco Antonio Villa, mostrava que o
“marketing político” transformou as eleições em autentica farsa. O
debate público foi substituído pelos textos escritos pelos marqueteiros,
com os candidatos lendo nos “teleprompter”, como “bonecos falantes”,
É preciso restaurar o sentido verdadeiro do horário político,
eliminando a maquiagem eletrônica que consagra a mentira e o despreparo.
O “marketing político” só pensa em enganar o eleitor.O “marketing
público” pensa no cidadão e debate as políticas públicas, começando por
enquadrar o “marketing político” no Código de Defesa do Consumidor, que
no artigo 37 diz que “é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”.O
Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária define:
– “Todo anuncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis”.
Os marqueteiros políticos atropelam a Lei, com a conivência do
Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais.
Continuam iludindo multidões, como fizeram nas últimas eleições
presidenciais , com os truques do marqueteiro João Santana.
Na Velha Grécia, Sócrates já alertava com ironia:
– Para construir uma casa ou um navio as pessoas escolhem gente competente, já o Estado, pode ser entregue a qualquer um?