Observadores com diferentes formações
profissionais e políticos de vários partidos dão a sua visão sobre os
protestos e os efeitos que eles podem ter no futuro do país
Júlia Aguiar
Manifestação realizada em São Paulo no último dia 17 de junho
Publicamos
hoje mais um texto sobre o significado das manifestações de rua
realizadas no país desde junho e quais podem ser os seus desdobramentos.
Desta vez, a contribuição vem do cientista político
Hamilton Garcia de Lima.
Ao longo das últimas semanas, levamos ao ar dezenas de artigos e
entrevistas com o mesmo propósito: refletir sobre essa nova nação que
brotou, quando se menos esperava, do asfalto de várias cidades
brasileiras a partir daqueles históricos dias de junho. Como é próprio
deste
site, a diversidade e o desejo de ampliar o debate deram o tom dessas análises.
Você que está na área há mais tempo sabe que aqui tem lugar pro
cardeal e pro coroinha, mas sem barrar a entrada dos evangélicos ou dos
ateus. Dizer que não fazemos proselitismo seria mentira. Queremos muito
contribuir para melhorar, por mais modestamente que seja, a qualidade da
democracia brasileira. Daí, por exemplo, a conclamação que fazemos
anualmente à sociedade para que nos ajude a escolher os
melhores parlamentares do país. Mas somos irrecuperavelmente apartidários e não estamos querendo empurrar credo ideológico nenhum pela goela de ninguém.
Assim, tiveram – e têm – voz em nossas páginas desde pesquisadores de
renome ou políticos de expressão nacional até estudantes mais ou menos
anônimos. Pensadores religiosos, filósofos, trabalhadores,
empresários,
acadêmicos distantes de agremiações partidárias ou militantes de
diferentes partidos (muitos dos quais, colaboradores regulares do
Congresso em Foco).
Entendemos que colocar essa pluralidade de visões e perspectivas à sua
disposição é o melhor a fazer para que você tire suas conclusões por
conta própria. E, se por acaso você achar que tem algo a acrescentar,
manda bala e envia a sua contribuição – em texto, vídeo, foto, charge, o
que for – para
redação@congressoemfoco.com.br. Será um prazer examinar suas sugestões.
Em ordem alfabética, apresentamos abaixo algumas das pessoas que,
como tantos de nós, se empenham no momento em compreender as ruas de
2013 para sondar os caminhos que podem levar ao Brasil de amanhã.
Basta clicar no nome de cada uma delas para ler a íntegra do artigo ou entrevista. Para outros textos sobre o assunto,
clique aqui.
Alcides Leite, economista e professor da Trevisan Escola de Negócios
Certo de que as manifestações são produto de uma “crise de
gestão pública e não uma crise institucional”, afirma que “o povo está
reclamando da relação custo/benefício dos serviços públicos” porque a
“impressão geral é que os governos governam para si e não para a
população”. Apresenta as bases de um pacto que Dilma deveria propor não à
sociedade, mas ao seu próprio governo.
Alfredo Sirkis, deputado federal do PV (RJ), participa da organização da Rede, novo partido da ex-senadora Marina Silva
Analisa o sentimento antipartidário dos manifestantes e, mesmo admitindo
que os atuais partidos brasileiros possuem uma “minúscula minoria de
pessoas honradas”, afirma que “ainda não se inventou a democracia sem
partidos”.
Allan Cotrim e Renato Lima, alunos de mestrado em Brasília
Dizem que as ruas representam “uma reação ao sistema político
que se estagnou, envelheceu e se fechou ao diálogo com a população”.
Criticam a aversão demonstrada pela maioria dos manifestantes a partidos
políticos: “Se as decisões não são tomadas democraticamente, a saída é
buscar outro partido (ou até fundar um). Se os partidos não são
confiáveis, deve-se mudá-los, renovando-os por dentro, com novo frescor e
novos filiados. Esta, sim, seria uma forma popular de se fazer reforma
política. Certamente dá mais trabalho e leva tempo, mas quem disse que
seria fácil?”.
Antônio Carlos de Medeiros, cientista politico
Para ele, as ruas consumaram a ruptura entre “uma sociedade e economia que se modernizam
versus
um sistema político arcaico e tradicional, portador do vírus da
ingovernabilidade”. O analista também associa o Brasil que foi às ruas e
os novos personagens que ele pôs em cena às possibilidades de ação
política oferecidas pela internet e pelas novas tecnologias. E
acrescenta que atender ao “quero mais” dos manifestantes obrigará os
governantes sensíveis ao espírito de época a reverem suas escolhas
econômicas e seus cálculos fiscais.
Chico Alencar, deputado federal do Psol (RJ)
Num texto que está mais para a crônica do que para o artigo de
análise ou de opinião, diz que “as ruas do Brasil policlassista e a
comunicação através da internet não são controláveis” e permitiram “um
resgate do coletivo nesses tempos de hiperindividualismo”. Fala que os
protestos representam “irupção, não revolução”, mas isso é o bastante
para inquietar as autoridades que lançaram mão de violência e as
“entidades de trabalhadores e de estudantes, burocratizadas, sempre
alheias ao que não tem aval do oficialismo”.
Eduardo Campos, governador de Pernambuco, presidente nacional do PSB e possível candidato a presidente da República em 2014
Endossa o clamor popular com a “degradação da vida pública” e a
baixa qualidade dos serviços em áreas como saúde, educação e segurança.
Considera restrito plebiscito proposto por Dilma. E apresenta sua visão
da crise e as tarefas que ela impõe. Entre elas, destaca a necessidade
de ampliar os instrumentos de democracia direta, como maiores
facilidades para apresentação de projetos de lei de iniciativa popular e
a adoção do
recall, que permitiria aos eleitores revogar os mandatos de políticos.
Érika Kokay, deputada federal do PT (DF)
Afirma, em artigo, que as “manifestações expressam,
principalmente, um profundo descontentamento com a forma atual da
democracia representative”, um momento de crise, mas é também uma
oportunidade ímpar, uma oportunidade que não se manifestava há vinte
anos, de oxigenarmos e revigorarmos a nossa democracia.
Leonardo Boff, pensador católico
Para Leonardo Boff, a despeito das críticas que possam e devam
ser dirigidas “à nossa classe política corrupta” e ao governo Dilma e ao
PT, “refém da macroeconomia neoliberal”, tais críticas precisam ser
feitas “com critério e senso de medida” para não se levar “água ao
moinho da direita”. Esta, conforme a sua análise, segue à espreita, com
grande influência nos “meios de comunicação privados e familiares”, e
também tentando se infiltrar nos protestos populares, urdindo “tramoias”
que poderiam incluir “a volta do braço armado para limpar as ruas” e
restabelecer o “velho
status quo”.
Marcus Pestana, deputado federal do PSDB (MG)
Destacou o fato de nenhum instituto de pesquisa, cientista
social, partido ou intelectual ter captado “o inimaginável potencial que
havia no inconsciente coletivo”, que resultou numa “explosão de
indignação e cidadania, difusa, surpreendente, instigante, desafiadora”,
que não obedece a “um sentido único, reducionista, unilateral”.
Conclui: “As ruas querem participar. Ser ouvidas. Isolar os marginais e
vândalos. E longe da violência e da demagogia, construir o diálogo
nacional necessário para continuar mudando o país”.
Timothy Power, professor da Universidade de Oxford, que estuda o Brasil desde 1990
Na sua opinião, os protestos são produto da
insastifação com a má qualidade dos serviços públicos – a começar pelo
transporte coletivo – e com todos os politicos e seus partidos, “aí não
poupam ninguém”. Ele também remotas as possibilidades de forças
políticas à direita se beneficiariem as manifestações, que, no seu
entender, ainda não alteram o favoritismo da recandidatura Dilma.
Zé Maria, presidente nacional do PSTU
Acredita que os protestos rompem o quadro de “relativa
estabilidade na luta de classes, numa relação de forças amplamente
favorável às classes dominantes e controle político bastante forte do
governo de frente popular encabeçado pelo PT”. Vê como pano de fundo das
manifestações o “modelo econômico aplicado pelo governo Dilma”, que
impede o atendimento às necessidades dos trabalhadores e “assegura o
privilégio dos bancos, das grandes empresas, das empreiteiras e do
agronegócio”. Ironiza “o fantasma do golpe de direita”, invocado por
setores próximos ao PT, afirmando que quase toda a direita brasileira
integra hoje a coalizão governista liderada por Dilma.