Depois de aparelhar o IPEA e censurar o IBGE, o governo Dilma
incentiva técnicos a estudarem fórmulas mágicas, entre as quais tirar os
alimentos do cálculo do índice inflacionário. É maquiagem pesada para
esconder o botox econômico. Na Argentina, a inflação real é de 30%,
enquanto a oficial é dada como 10% ao ano.

Preocupados com o impacto da alta dos alimentos na inflação, alguns
técnicos do governo começaram a defender nos bastidores mudanças
polêmicas na formulação da política econômica. Diante dos frequentes
choques nos preços de produtos in natura por causa de problemas
climáticos, eles acreditam que esses itens deveriam simplesmente ser
retirados do cálculo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A ideia não é novidade e tem a simpatia da equipe econômica, pois
tornaria o indicador mais realista. No entanto, todos os técnicos
ouvidos pelo GLOBO são unânimes em afirmar que isso teria que ser feito
com cuidado e num momento de inflação baixa, para que o governo não seja
acusado de mais uma maquiagem.
Economistas do mercado financeiro estimaram na terça-feira, pela
primeira vez, que a inflação vai estourar o teto da meta do governo em
2014. Analistas ouvidos pela pesquisa Focus, do Banco Central, pioraram
suas estimativas e esperam agora que a inflação oficial medida pelo IPCA
encerre o ano em 6,51% — ante uma projeção de 6,47% na semana passada.
Esta foi a sétima alta consecutiva na previsão para a inflação.
O argumento dos defensores da mudança na formulação da política
econômica é que as altas de alimentos, como o tomate e o chuchu, por
exemplo, não deveriam influenciar o IPCA total, uma vez que não são
produtos insubstituíveis. Os consumidores costumam deixar de comprá-los
quando os preços sobem demais em função do clima. Eles afirmam que
inflação teria de ser medida por itens que não podem ser trocados por
outros, como combustíveis ou alimentação fora de casa.
— Nos Estados Unidos, por exemplo, não há alimentos no índice oficial
de inflação por uma questão simples: se você vai ao mercado e vê o
tomate caro, você pode substituir por outra coisa. A gente faz isso com
morango. Ninguém come morango o tempo inteiro — argumentou um técnico do
governo. — Essa é uma discussão interessante e oportuna. Será que o
IPCA é o melhor índice para o Brasil guiar a política monetária? —
questionou outra fonte da área econômica.
A inflação acumulada em 12 meses até março está em 6,15%, muito
próxima do teto da meta de 6,5% fixada pelo governo para o ano. Grande
parte dessa alta é resultado do aumento dos preços de alimentos. Só o
preço do tomate já subiu 31,72% em 2014. A batata inglesa teve alta de
17,27% no mesmo período.
Os economistas do mercado financeiro afirmam que qualquer alteração
no índice seria vista com muita desconfiança. Segundo o ex-diretor do
Banco Central Alexandre Schwartsman, não há nada de honesto no argumento
que os alimentos que contaminaram o IPCA e provocaram a persistência da
inflação que, por sua vez, acomodou-se perto do teto da meta. — (A
ideia) tem um alto nível de cretinice. Acho surpreendente que as pessoas
voltem a debater isso neste momento, porque parece que elas não prestam
atenção nos números — disse.
Schwartsman se referia aos dados do núcleo da inflação, ou seja, o
número que despreza a alta dos alimentos e das tarifas de serviços
públicos. Nos últimos 12 meses, esse núcleo está ainda maior que o IPCA
geral: 7,36%. Ou seja, a culpa não está apenas nos alimentos. A inflação
sofre também com outros fatores, como altas nos serviços.
— Seria trocar seis por meia dúzia e ainda na hora errada. O único
resultado seria mais um arranhão na credibilidade do país. Se olharmos
os dados do passado, a inflação brasileira não tem um histórico de
pressão por alimentos — disse o ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos
Kawall, economista-chefe do Banco Safra.
Para 2014, o governo espera que os alimentos deem uma trégua à
inflação nos próximos meses. Em apresentação feita ao ministro da
Fazenda, Guido Mantega, o secretário de Política Econômica, Márcio
Holland, informou que o IPCA deve subir menos a partir de agora, por
causa da entrada da safra no mercado.
A meta do governo para o IPCA é de 4,5% ao ano, com margem de
tolerância de dois pontos percentuais. Se não atingir a meta, o BC
precisará explicar, oficialmente, por que não conseguiu, além de
informar as providências que serão tomadas. Para 2015, a estimativa de
inflação no Boletim Focus foi mantida em 6% ao ano. O grupo de
economistas que mais acertam as projeções já havia projetado uma
inflação acima do teto da meta para este ano. A mediana das projeções do
chamado “top 5” chegou a 6,57% há cerca de um mês e, agora, está em
6,59%.
O economista da LCA Consultores César Esperandio, destacou que o
resultado recente do IPCA-15, a prévia da inflação, ficou abaixo do
esperado — com percentual de 6,19% em 12 meses — o que contribuiria para
uma redução na estimativa dos analistas. No entanto, observou, os
reajustes recentes das tarifas de energia elétrica pressionaram as
projeções. Na semana passada, a AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia
S/A, por exemplo, foi autorizada a reajustar em 28,86% a tarifa de
consumidores residenciais.
Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, ressaltou que, embora o
IPCA-15 tenha vindo abaixo do esperado pelo mercado, ele trouxe
expectativa de reajuste elevado da alimentação no domicílio. — Com isso,
nós elevamos nossa expectativa de inflação para abril de 0,70% para
0,77%. Nossa projeção para o ano, de 6,3%, passa a ter viés de alta —
afirmou Alessandra.
(FONTE: O Globo)