Jorge Béja
Na sessão plenária de ontem (26.2.2015) do Supremo Tribunal Federal,
um empate na votação impossibilitou que a Corte concluísse o julgamento
de um processo. Reza a Constituição Federal que o STF é composto de 11
ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 anos e menos de 65
anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados
pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria
absoluta do Senado Federal (Artigo 101).
Desde a aposentadoria, em julho de 2014, do ministro Joaquim Barbosa,
e sem que a presidente Dilma, perto de sete meses depois tenha indicado
ministro para a vaga de Barbosa, a Suprema Corte se encontra
desfalcada, o que enseja ocorrer empate na votação dos recursos
submetidos ao plenário e até mesmo nas turmas. Logo, um dos Poderes da
República (o Judiciário) desde então se encontra impedido do pleno
exercício de suas funções, essencialíssimas e intransponíveis para o
Estado Democrático de Direito.
MINISTROS DO STF CRITICAM
O que ocorreu ontem mereceu, contra Dilma, severas e duras críticas
feitas em plenário e ao final da votação empatada, da parte dos dois
ministros mais antigos do STF. Marco Aurélio Mello disse “como é nefasto
atrasar-se a indicação daquele que deve ocupar a 11ª cadeira no
Supremo”. Para Celso de Mello, “essa omissão, que já se torna irrazoável
e até mesmo abusiva por parte da senhora presidente da República na
indicação de um juiz para o Supremo Tribunal Federal, já está
interferindo no resultado dos julgamentos. E de novo adia-se um
julgamento. Nós estamos realmente experimentando essas dificuldades que
vão se avolumando. É lamentável que isso esteja ocorrendo” — concluiu
Celso de Mello.
OMISSÃO E IMPEACHMENT
As críticas foram justas e oportunas, com adjetivações (“nefasta”,
“omissa”) próprias e merecidas. Mas existe uma outra gravíssima situação
de muito maior peso e relevância, porém subjacente, por não ter vindo à
tona, ao debate e à reflexão do mundo jurídico nacional, por passar
despercebida, talvez, mas que se levanta agora. Esse procedimento
“nefasto” e “omisso” da presidente Dilma não enseja abertura do processo
de Impeachment contra ela? A resposta, sem exigir aprofundado
raciocínio jurídico, é positiva.
Dilma atenta contra a Constituição Federal e, especialmente, contra o
livre exercício do Poder Judiciário. E, de roldão, obstrui o exercício
dos direitos políticos, individuais e sociais do cidadão, contra a
segurança interna do país e contra a probidade administrativa, garantias
essas que se tornam comprometidas, quando um dos poderes da república,
no caso o Judiciário, não se encontra inteiro e completo para o
desempenho da sua integral missão que á a prestação jurisdicional.
CRIME DE RESPONSABILIDADE
“São crimes de responsabilidade do Presidente da República que
atentem contra a Constituição Federal, o livre exercício do Poder
Legislativo, do Poder Judiciário,…contra o exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais, contra a segurança interna do País,
contra a probidade na administração…” (Constituição Federal, artigo 85).
Por outro lado, a Lei 1079/50, que define os crimes de
responsabilidade e regula o respectivo processo e julgamento, repete no
artigo 4º o aqui transcrito do artigo 85 da CF. E esta mesma lei, cujo
artigo 34 prevê pena de “destituição do cargo” (Impeachment), é cogente e
imperativa quando diz em seu artigo 5º: “São crimes de responsabilidade
contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos
poderes constitucionais do Estado… opor-se diretamente e por fatos ao
livre exercício do Poder Judiciário”.
O STF É O JUDICIÁRIO NACIONAL
Passados perto de sete meses, sem que Dilma indique para aprovação
pelo Senado Federal, o substituto de Joaquim Barbosa, a presidente da
República, por ato-fato omissivo, não permite que o Poder Judiciário
funcione na sua plenitude. Deliberadamente, desfalca a Suprema Corte,
que é composta por 11 ministros. Atenta contra a Constituição Federal
quando dispõe que o STF é composto de 11 ministros. E põe em risco
iminente o exercício dos direitos das pessoas, a segurança interna do
país e obra contra a probidade na gestão presidencial. Nem se diga que o
Poder Judiciário não é o STF. É, sim. É o símbolo máximo. É a Suprema
Corte. É última voz que encerra a prestação jurisdicional a que têm
direito todas as pessoas, naturais e jurídicas. Se uma instância —
principal e derradeira, como é o STF — se encontra incompleta para o seu
perfeito e integral funcionamento, toda a máquina do Poder Judiciário
está afetada, manietada, comprometida e sem condições de encerrar,
definitivamente, as causas que ao STF são submetidas e com veredicto
empatado.
NO IMPEACHMENT, DILMA TERIA DEFESA?
Como tudo nesse governo é negativa e escandalosamente surpreendente,
Dilma poderá até se defender num eventual processo de Impeachment se
alegar — e com certa razão literal-formal — que não existe lei que a
obrigue a indicar ao Senado o substituto de Barbosa. É verdade. A CF dá
competência ao presidente da República apenas para nomear ministro do
STF, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado
Federal (CF, art. 101, § único). Indicar, não. Nem na CF nem nas leis
ordinárias existe essa prerrogativa-obrigação atribuível ao presidente
da República.
Mas responde-se, por antecipação. É uma lacuna, Dilma. Uma lacuna que
a tradição e o costume supriram e que de longa data foi copiada dos
Estados Unidos. E tradição, usos e costumes, são fontes inesgotáveis do
Direito. Então, por que a senhora, desde a aposentação de Barbosa, não
declarou à Nação que não faria a indicação por não ser atribuição sua,
como presidente da República? Nesse caso, o próprio Senado poderia
indicar, sabatinar, aprovar a escolha e a senhora, sem poder negar,
evitar ou vetar, nomearia.